Os efeitos da acupuntura há muito vêm sendo estudados e têm sido explicados por princípios e mecanismos fisiológicos: os estímulos, feitos em regiões específicas do corpo, os chamados pontos de acupuntura, através de uma ampla rede neural periférica alcançam o sistema nervoso central; desta maneira provocam um fenômeno de neuromodulação em três níveis – local, espinhal e supra-espinhal – resultando em liberação de variadas substâncias (principalmente neurotransmissores), modulando funções motoras, sensoriais, autonômicas, neuroendócrinas e emocionais. No início de sua prática os estímulos periféricos eram feitos unicamente através da inserção de agulhas. Observações posteriores, levaram ao surgimento de novas formas de estimulação das agulhas, entre elas, a estimulação elétrica. Era o surgimento da eletroacupuntura, técnica que implica na passagem de uma corrente de pulso através dos tecidos do corpo por meio de agulhas de acupuntura, como fins terapêuticos e analgésicos. A partir de então, a eletroacupuntura foi logo usada em toda a China e daí se propagou para o mundo. Atualmente, é uma das técnicas de maior relevância no tratamento de um grande número de condições agudas e crônicas ligadas aos vários sistemas orgânicos.
Foi a partir de 1965, quando Melzack e Wall, propuseram a teoria do portão da dor, que os mecanismos de ação da acupuntura começaram a ser melhor compreendidos. Nessa teoria, os autores postularam que os mecanismos neurais no corpo posterior da substância cinzenta da medula espinhal agiriam como comporta, aumentando o fluxo de impulsos nervosos oriundos das fibras periféricas. Os impulsos veiculados pelas fibras grossas (A) fechariam a comporta, ao passo que os impulsos das fibras de pequeno diâmetro (C) a abririam. Portanto, a sensação de dor seria dependente da ação dominante das fibras C em relação as fibras A, e a analgesia seria o oposto. Melzack, estudioso dos vários aspectos relacionados a questão da dor, logo se interessou pela acupuntura e participou de vários estudos que buscavam entender o seu mecanismo de ação. Possivelmente, o surgimento desse interesse se deu pela similitude existente entre a teoria do portão da dor e a possível ação da acupuntura desencadeada por estímulos nervosos periféricos sobre fibras mielinizadas. Ele considerou que a analgesia gerada pela acupuntura poderia tanto ser induzida por estímulos gerados no local do foco doloroso, quanto por estímulos aplicados em locais distantes. Em estudos posteriores, sugeriu que o alivio da dor crônica por estímulos periféricos devia-se também a ativação de elementos neurais supra-espinhais, ou seja, mobilizaria outros mecanismos centrais.
Os estudos das últimas décadas vieram atestar a participação de várias substâncias e estruturas no mecanismo de ação da acupuntura:
1- terminações nervosas livres das fibras a delta e C;
2- neurotransmissores, como os peptídeos opioides (encefalina, dinorfina e beta endorfina) e as monoaminas (serotonina, noradrenalina, histamina, dopamina);
3- estruturas do SNC, como a substância gelatinosa do corno posterior medular, tratos espinotalâmicos; o sistema reticular ascendente e seus núcleos liberadores de neurotransmissores;
4- sistema, chamado de inibidor descendente da dor, que inclue o córtex pré-frontal, o núcleo arqueado do hipotálamo, a hipófise, a substância cinzenta periaquedutal, núcleos da rafe, o lócus cerúleos, núcleo paragigantocelular e outras estruturas superiores.
Para que se tenha um melhor entendimento do que acontece a partir do momento em que uma agulha de acupuntura é inserida em um ponto específico do corpo, descreveremos os vários mecanismos conhecidos relacionados à ação da acupuntura.
1 – A ferroada da agulha de acupuntura estimula terminações nervosas livres existentes na pele e no músculo;
2 – O estímulo caminha pelas fibras A delta sendo levado às células marginais ou neurônios nociceptivos específicos do corno posterior da medula;
3 – O estímulo nervoso atinge o trato espinotalâmico lateral e é levado até o tálamo, no seu núcleo póstero- ventro lateral;
4 – No tálamo, estímulo projeta-se para a zona somestésica primária do córtex cerebral;
5 – O estímulo é percebido pelo córtex pré-frontal, que envia fibras descendentes para a região arqueada do hipotálamo;
6 – Do hipotálamo descendem fibras contendo Beta-endorfina para a SCPA;
7 – Na SCPA, a Beta endorfina inibe os neurônios inibitórios aí existentes, liberando o trajeto SCPA-NMR;
8 – Além de liberação de Beta-endorfina pelo hipotálamo e hipófise, ocorre também liberação do CRH hipotalâmico, que estimula a produção de ACTH pela hipófise;
9 – O ACTH é enviado para a glândula suprarrenal, induzindo-a a produzir o cortisol que, liberado na corrente sanguínea, será responsável por parte do efeito antiinflamatório da acupuntura;
10 – Do Núcleo Magno da Rafe (NMR), as fibras, cujo neurotransmissor é a serotonina, descem no funículo dorso lateral da medula espinhal para terminar diretamente nos neurônios encefalinérgicos da substância gelatinosa do Corno dorsal da medula espinhal;
11 – Estimulados, os neurônios encefalinérgicos produzem encefalina, que, na própria lâmina II e na lamina V, inibem de forma pré e pós sináptica o impulso nervoso das fibras C;
12 – A inibição do impulso nervoso faz com que o estímulo seja bloqueado e não passe do primeiro para o segundo neurônio da via da dor, minimizando, assim, a percepção da sensação dolorosa.
Tudo indica que o sistema noradrenérgico descendente seja controlado a partir do córtex pré-frontal e dos núcleos arqueados do hipotálamo, tal qual acontece com o mecanismo serotoninérgico. No entanto, esse mecanismo encontra-se apenas parcialmente esclarecido, existindo várias dúvidas a seu respeito.
Tendo como base as 12 etapas descritas para o mecanismo serotoninérgico, pode-se dizer que até a etapa 7, da Substância Cinzenta Periaquedutal, o mecanismo é exatamente o mesmo. Só que no mecanismo noradrenérgico, a partir da SCPA, partem interneurônios colaterais para o lócus cerúleos, que é a principal fonte do pedúnculo cerebral de axônios produtores de noradrenalina. Quando esse núcleo é estimulado, ele libera grandes quantidades de noradrenalina que será levada de forma descendente até ao corno posterior da medula. Só que ao contrário do que acontece no mecanismo encefalinérgico, não haverá estimulação de neurônios encefalinérgicos do corno posterior da medula, mas, a própria noradrenalina agirá como neurotransmissor inibitório agindo sobre as várias lâminas de Rexed bloqueando os estímulos dolorosos mediados pelas fibras C. Acredita-se, também que o núcleo reticular paragicantocelular esteja envolvido no sistema adrenérgico descendente, cuja atividade é evocada pela estimulação da acupuntura. No entanto, chamam a atenção para o fato de que esse núcleo não produz nenhum tipo de célula noradrenergica, tampouco se projeta para a medula espinhal. Deve haver, portanto, um revezamento com uma estrutura noradrenérgica para influenciar diretamente a atividade espinal. Essa estrutura pode ser o Locus Ceruleos ou algum outro grupo celular noradrenérgico do pedúnculo cerebral inferior, cujos axônios se projetem para a medula espinal. De uma forma esquemática, pode-se dizer que os neurônios noradrenérgicos descendentes oriundos do Lócus Ceruleos se projetam para o corno posterior da medula, onde inibem diretamente os neurônios espinais com os quais têm contato sináptico, minimizando a percepção da sensação dolorosa.